Água fluoretada: o que se tem de evidências científicas

Há vários estudos que comprovam os benefícios do flúor para a prevenção da cárie dentária. Um importante estudo que comprova o benefício do flúor adicionado à água de abastecimento público é uma revisão sistemática realizada pelo Oral Health Group da Cochrane. As revisões sistemáticas são consideradas como o mais alto nível de evidência científica na pirâmide de evidências científicas.

Esta revisão sistemática (Iheozor-Ejiofor et al., 2015) foi uma atualização de uma revisão sistemática previamente realizada em 2000 (McDonagh et al. 2000). Após a busca eletrônica, os autores incluíram 107 estudos prospectivos que tivessem grupo controle, comparando pelos menos duas populações: uma recebendo água fluoretada e outra população que não recebia água fluoretada. Dentre os estudos incluídos, 22 relatavam dados de incremento de cárie dentária e 135 estudos reportavam dados de fluorose dentária. Em resumo, os principais resultados são:

– A água fluoretada é capaz de reduzir em média 35% de cárie dentária em dentes decíduos e em 26% de cárie dentária em dentes permanentes quando se compara com populações que moram em comunidades sem flúor na água; sendo a evidência científica mais forte para a dentição decídua.

– A água fluoretada é capaz de aumentar a proporção de indivíduos livres de cárie dentária na dentição decídua e permanente, quando se compara com populações vivendo em comunidades sem flúor na água;

– Por outro lado, o aumento da exposição ao flúor pode resultar numa maior prevalência de fluorose dentária, sendo que a cada unidade de flúor (1 ppm F) a mais na água há um aumento de 2,9 vezes na chance de apresentar fluorose. Este cálculo se baseou em relatos de comunidades que tinham água artificialmente e naturalmente fluoretada (entre 0 a 5 ppm F).

A quantidade de flúor na água é expressa em ppm F (partes por milhão de flúor). A água pode ser artificialmente fluoretada, quando o flúor é introduzido na água de abastecimento público como forma de prevenção contra a cárie. Nestes casos, o teor ótimo de flúor na água em regiões subtropicais como o Brasil é em torno de 0,7 ppm F, podendo ter uma variação entre 0,6 a 0,8 ppm F conforme a região (Cury e Tenuta, 2004). E a água pode ser naturalmente fluoretada, nestes casos, com alto teor de flúor na água. Isto ocorre normalmente porque as condições geológicas do solo contaminam o lençol freático com o flúor, comum em regiões com depósitos naturais de fluorita. Nestas regiões, o teor de flúor na água é alto, como em Cocal (Santa Catarina), onde na década de 80, a água tinha teor de flúor de até 5,6 ppm F (Paiva e Barros-Filho, 1993).

Portanto, para comunidades com teor ótimo de flúor na água, como a cidade de Belo Horizonte (em torno de 0,7 ppm F), a probabilidade de ocorrência de fluorose dentária que cause preocupação estética é de 0,12% (Iheozor-Ejiofor et al., 2015). Isto significa que a fluoretação artificial da água de abastecimento pública é segura e traz benefícios para prevenção da cárie dentária, com risco mínimo para a ocorrência de fluorose dentária esteticamente comprometedora.

Dessa forma, a fluoretação da água de abastecimento público é uma medida adotada pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2009), sendo uma medida universal, capaz de abranger a maior parte da população, sem discriminação quanto ao nível socioeconômico. Além disso, os dados epidemiológicos do Brasil têm mostrado um decréscimo da prevalência de cárie dentária, muito sendo atribuído às políticas públicas de promoção da saúde, à água de abastecimento público fluoretada e uso do flúor através de outras fontes, como os dentifrícios fluoretados.

Pelas evidências científicas, o que se tem comprovado é que o flúor na água de abastecimento público é responsável pela redução de cárie dentária, sendo seu efeito mais efetivo em dentes decíduos, a despeito de um pequeno aumento da prevalência de fluorose dentária em dentes permanentes.

Por Carolina C Martins e Saul M Paiva*

*Carolina é Professora Adjunta e Saul é Professor Titular, ambos do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da FO-UFMG.

Referências

Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia de recomendações para uso de fluoretos no Brasil. Brasília, DF, 2009. 58 p. Disponível em <http://cfo.org.br/wp-content/uploads/2010/02/livro_guia_fluoretos.pdf>

Cury JA, Tenuta LMA. Ribeiro CCC, Paes Leme AF. The Importance of Fluoride Dentifrices to the Current Dental Caries Prevalence in Brazil. Braz Dent R 2004,15: 167-174.

Iheozor-Ejiofor Z, Worthington HV, Walsh T, O’Malley L, Clarkson JE, Macey R, AlamR, Tugwell P, Welch V, Glenny AM. Water fluoridation for the prevention of dental caries (review). Cochrane Database of Systematic Reviews, 2015: CD010856.

McDonagh M, Whiting P, Bradley M, Cooper J, Sutton A, Chestnutt I, et al. A Systematic Review of Community Water Fluoridation. NHS Centre for Reviews and Dissemination, University of York 2000.

Paiva SM, Barros-Filho MA. Contribuição ao estudo da fluorose dentária, na dentição permanente, uma comunidade com fluorose endêmica (Cocal – Urussanga – Santa Catarina). Revista de Odontopediatria, 1993, 2:5-15.