O impacto da dor de dente em usuários da APS: análise destaca desigualdades regionais e desafios gerados pela pandemia de COVID-19
A prevalência da dor de dente enquanto problema de saúde pública no Brasil foi tema de um estudo recente que analisou o atendimento odontológico na Atenção Primária à Saúde (APS). O artigo intitulado “Dental appointments in the primary health care setting for users with toothache: a longitudinal analysis” foi publicado na revista Brazilian Oral Research, uma das mais importantes da área da Odontologia. O estudo apresenta uma análise longitudinal sobre a morbidade associada à dor de dente, identificada durante os atendimentos realizados no serviço público de saúde bucal no Brasil, entre 2018 e 2022. O artigo é resultado da pesquisa de Mestrado de Fabiano Costa Diniz, egresso da pós-graduação da FAO-UFMG, no contexto do projeto MonitoraSB.
Dor de dente: um indicador de disparidade
A dor de dente, frequentemente associada a doenças bucais não tratadas, afeta até 32,7% das crianças e adolescentes globalmente. No Brasil, sua prevalência é de 24,6% entre adolescentes de 12 anos e atinge 27,5% da faixa etária de 35 a 44 anos.
A pesquisa utilizou dados públicos do Sistema de Informação da Atenção Básica (SISAB), focando nos atendimentos odontológicos. O indicador analisado foi a taxa de consultas odontológicas para usuários com dor de dente, que integra a matriz avaliativa construída pelo MonitoraSB para monitorar os serviços de saúde na APS.
O indicador estima a taxa de morbidade associada à dor de dente entre usuários de serviços de saúde bucal na APS. A taxa foi calculada dividindo-se o número de consultas odontológicas de usuários com dor de dente em um local e período específicos pela população cadastrada no mesmo local e período, multiplicando-se por 1.000 para cada município e cada quadrimestre entre os anos 2018 e 2022, resultando em 15 medições. Os pesquisadores analisaram registros de atendimentos odontológicos para usuários com dor de dente em 5.332 municípios (95,72% do total). Um modelo estatístico foi aplicado para estimar as variações nas taxas de atendimento antes e depois de um marco temporal específico (a pandemia de COVID-19).
Os resultados apontam que as taxas variaram entre 9,65 (2020) e 27,24 (2018) consultas por mil usuários. Pequenos municípios (menos de 5 mil habitantes) apresentaram taxas mais altas, enquanto municípios maiores (mais de 100 mil habitantes) registraram os valores mais baixos, sugerindo disparidades no acesso aos serviços de saúde bucal.
Municípios maiores podem enfrentar desafios na prestação de serviços públicos (como menor cobertura de serviços de saúde bucal na APS), resultando em menor capacidade de atender às necessidades da população. A complexidade e a diversidade da infraestrutura de saúde nesses municípios também podem levar a dificuldades na organização do trabalho das equipes de saúde.
O impacto da pandemia de COVID-19
A pandemia trouxe desafios adicionais. Em 2020, coincidente com o início da crise sanitária, houve uma queda acentuada no número de atendimentos. Esse declínio foi mais pronunciado em grandes municípios, que também foram os primeiros a implementar medidas de distanciamento social. Apesar da retomada dos serviços em 2021, o ritmo de recuperação foi mais lento em municípios menores, refletindo dificuldades estruturais em reorganizar os atendimentos.
Desafios estruturais e oportunidades de melhoria
Municípios menores enfrentam desafios técnicos e financeiros que dificultam a implantação de sistemas modernos de informação em saúde. Por outro lado, em grandes centros urbanos, a complexidade da infraestrutura de saúde pública pode limitar a cobertura dos serviços. Modelos de atenção voltados à promoção da saúde e à vigilância foram mais comuns em municípios maiores, enquanto pequenos municípios tendem a focar em demandas espontâneas e atendimentos de urgência.
Recomendações para avançar
Para enfrentar as disparidades e melhorar os índices de saúde bucal, os pesquisadores sugerem alguns caminhos.
Fortalecimento dos serviços de saúde bucal em grandes municípios: Investir em promoção da saúde e prevenção.
Apoio a pequenos municípios: Fornecer recursos técnicos e financeiros para modernizar os sistemas de informação e ampliar o acesso aos serviços.
Capacitação profissional: Garantir treinamento contínuo para as equipes de saúde bucal.
Estratégias intersetoriais: Abordar desigualdades socioeconômicas que impactam diretamente a saúde bucal.
O estudo reafirma a importância de monitorar indicadores de saúde bucal para orientar políticas públicas e reduzir disparidades. A dor de dente, além de ser um problema de saúde pública, é um reflexo das desigualdades estruturais que persistem no país. Enfrentar esses desafios requer não apenas investimentos, mas também um compromisso com a equidade na saúde. Além do mais, as análises mostraram que municípios de diferentes tamanhos populacionais apresentam padrões distintos de atendimentos, sugerindo a necessidade de políticas de saúde mais direcionadas para atender as especificidades de cada localidade.